Existiu uma árvore,
foi presente dos anjos.
Plantaram-na no quintal de casa.
A casa da infância – sempre ela.
Quando a trouxeram cá pra baixo,
a enfeitaram com florezinhas brancas,
e deram a ela um dom – perfumar a infância.
Da pequena muda fez – se uma dama.
A dama da noite.
Em noite de primavera,
dona de si,
e de posse de seus dotes sensuais
perfumava toda a rua.
O avô naquele pijama de algodão azul claro alisado nas brasas da ternura,
coisas da vida antiga.
Xícaras que (a)guardavam no gole quente do café matutino a vida quotidiana –
gorjeio da existência.
Sentado na namoradeira de jardim,
volúvel,
deixava-se ir.
A dama hipnótica arrastava-o.
Embevecido mergulhava nos confins da juventude.
Enquanto seus olhos gratos
porque vivos,
miravam as Três Marias,
o Cruzeiro do Sul,
o céu inesgotável em mistério;
a mocidade pululava à chuva de serpentinas e confetes –
no salão Orlando Silva fervilhava os corações apaixonados.
Ao som de Jardineira o moço no avô tragava sedento os lábios vermelhos e doces de sua miosótis.
Todos os tempos da sua vida respiravam agora.
O corcel intrépido arvorou-se.
Os cambitos arquearam.
O avô suspirou fundo.
A estrela d’alva que a tudo assistia,
compadeceu-se,
o acolheu.
A dama lascívia prosseguia sua sina –
estilar a seiva,
ressuscitar cupido.
Agora , ajudada pelo bafo da noite, seu comparsa, penetrava
as frestas do quarto onde jazia miosótis – a avó.
Medroso coração humano ,
pouco suporta a pujança da alma ,
quer-lhe encarcerada , papelada ,
agrilhoada aos ditames – senhores do mundo .
Foi por essa razão que a dama anarquista teve um triste destino .
Alguém que não compreende a língua dos anjos,
arrancou-a sem piedade.
Lá do céu choraram os anjos.
Mas seu perfume a imortalizou.
Notei, surpreendida , que quando de mim nasce um poema,
lá está ele –
o perfume da dama.
Imagem: Claudia Musso