
Os pimparos
Crescem me as asas
quando voo
com os pimparos
sobre a densa floresta da cordilheira Colombiana .
Oiço seu grito agudo ,
visceral , que comemora o voo .
Oiço em seu grito a festa de ter amanhecido . Vivo .
Hoje bem cedo
havia um pimparo
com asas amarelas
ele me acordou
Os Pimparos II
Quando nasci um pimparo de asas amarelas veio comigo
Por certo , ninguém o percebeu
Eu também o soube um bom tempo depois
Ele voa sobre o denso
a floresta impenetrável ,ameaçadora , misteriosa ,
e sob um céu com seus musicistas compondo rapsódias pelo sem fim.
*( ainda sobre ter asas )
Desalento
O mato seco e a poeira faminta
esticavam sua albarda
Em berço esplendido
haviam se tornado
os legítimos donos da casa.
Restaram os fantasmas ,
sombras de um tempo extinto .
O mausoléu
As folhas outrora verdes
e meninas
agora agonizavam
ressequidas
esquecidas
ressentidas
As portas antes abertas
para receber os dias
as noites
a esperança
Havia nesse tempo
já perdido
casa , parede ,teto, vaso de flor ,
toalha da Ilha da Madeira ,
ilusão ,
todas devoradas
em ferrugem ,
goteiras ,
cupim ,
Nas prateleiras alguns livros
os menores ,
fotos em preto e branco ,
poeira espessa ,
evidências
A morte e a loucura assumiram.
Gaia
ela saiu de algum lugar
vestida de perfeita
eu que me vestia de rua
me encolhi caramujo
lá dentro
me senti gente
e gostei de ser
só isso mesmo
Cenas
nasci com olhos ,no mínimo ,esquisitos
vejo muitas outras cenas
na cena que ali importa
na cena que ali se posta
tão infinita a vida
Tempos
a madrugada na cidade do interior
tem música própria
primeiro há o silêncio
depois a lua
gabando –se exuberante
no alto do céu
e , então ,as cigarras insones
cantam
o cachorro vigilante late
e todos os demais
que vivem no bairro
respondem em sinfonia
e bem ao fundo
pode-se ouvir um burburinho
todos os tempos da nossa vida conversam
Fé
eu gosto de gente
gente abaulada
gente encurvada
gente enxovalhada
gente soterrada
mas que nasce todo dia e acredita
Fome
eu vi a mão ofegante
entregar o pão à boca
eu vi os olhos
mudos
agradecerem ao pão
eu vi a fome surrar um homem
essa humilhação comoveu-me
Nascimento
Minha primeira experiência poética aconteceu
quando
em algum lugar
bem distante no tempo
experimentei
a intensa sensação de estar viva

Negação
a ausência de respostas
causa mal-estar
então
forjamos respostas
que causam mal-estar
O outro
ao perceber tua humanidade,
perdoo-te
Entrega
as pernas encolhiam-se à luz fetal
um lugar frio
não percebia que a vida zunia fora
ela dormia
sua delicada criança estava lá
Humano
o sono nos revela
somos todos só humanos
feitos de cansaço
e esperança
Pessoa
os ombros
a cabeça
os olhos
afogavam-se no prato
o garfo tentava alcançar a fome
eu a vi
Vendas
o pé de ipê viveu na minha rua
toda a vida
naquele dia eu vi o pé de ipê
Silêncio
o que ficou não foram as palavras ditas
e ,sim tudo o que foi dito
sem palavras
entre as tantas palavras
que foram ditas
Para Graciliano
tentou a vida toda tornar-se ela mesma
quase conseguiu
Ovelha
ela queria estar viva
não apenas sobrevivida
viva mesmo
Isso é outra cousa
A infância
na carroça que entregava
leite pela janela de casa
haviam muitos bilhetes
todos poesia
Cansaço
pela manhã o céu é róseo
à tarde supera-se
à noite fecha os olhos
e serpenteia pelas estrelas
mas eu ,
carregava os baldes da braveza
que de tão pesados
só podia olhar para o chão
Não conheci o céu
Verdade
nem mocinho
nem bandido
vendo bem de perto
só existe a tragicidade
Artista
em frente ao MASP
um artista fazia pequenos gafanhotos
com fiapos de folha de bananeira
e, então
nasciam gafanhotos de modos e jeitos
viveriam cada qual a seu modo
O Colégio
O colégio ,com seu pátio de lajotas paulistas ,afrescos bíblicos ,escadas que mergulhavam no além ,e portas que encerravam espaços grávidos de mistérios ; deixou em mim uma arquitetura do profundo . Ou quem sabe era só um colégio , e fui eu quem o viveu assim .
Axioma
Ficar mais velho não faz nascer o adulto .
O adulto é aquele que se tornou pai e mãe de sua frágil criança interior .
Companhias
Aceitei o convite de Rimbaud para viajar em seu imortal Barco Bêbado .
Vamos na chuva mesmo.
Sentença
Se um “anjo torto desses que vivem na sombra”*te visitou ao nascerdes , estas, irremediavelmente, perdido. Terás de conseguir, em meio a tanto recato, serdes o que já viera sendo para essa vida .Desta feita ,se nascestes poeta ,de nada adiantará querer-te ,ou,quererem- te noutro lugar .
*anjo torto é uma expressão Drummondiana contida no Poema das Sete Faces
Sem presente
Colérica gritava
podia ver-lhe a dor
precisava da infância da filha
para si .
Uma nova chance .